Teresa foi chamada na sala da chefe. Até chegar lá relembrou vários fatos da semana e foi se esforçando, mas não achava um meio de descobrir o que havia feito de errado. Teresa sabia que estava sendo chamada porque sua chefe estava infeliz com ela e que em breve a demitiria. E quando fosse demitida não conseguiria emprego tão fácil. Ela já está com mais de 40 anos e não tem grandes qualificações assim. Na verdade nem sabe como chegou até ali, todos deveriam ter visto que ela é uma farsa, não sabe como nunca foi pega na mentira.
Teresa passou a vida inteira se achando menos. A inteligente, mas não tão inteligente assim, dava para passar. A medíocre e mediana em tudo. Ter passado para Universidade Federal? Isso qualquer um faz, especialmente na carreira que escolheu, não é tão difícil assim fazer engenharia lá, se estudar um pouquinho todos passam.
Teresa se formou com excelentes notas, as melhores da turma, mas "os colegas que não se interessavam o suficiente, se fossem o mínimo de esforçados teriam tirado notas muito superiores as minhas", dizia ela. Teresa recebia prêmios e nomeações, mas se sentia sempre vivendo um personagem. Ela não tinha essa capacidade toda. Uma hora foi sorte, outra hora foi falta de gente dedicada, outra hora foi porque ela usou as palavras certas sem querer, e só conseguia o que conseguia se se esforçasse absurdamente.
Teresa tinha síndrome de impostor, fenômeno de impostor, síndrome da fraude, experiência de impostor ou também conhecido como impostorismo. Todos esses nomes querem dizer a mesma coisa, mesmo que seja capaz e bem qualificada, Teresa não se sente assim. Ela passou a vida inteira duvidando das suas habilidades, talentos e conquistas, e o sentimento constante de que seria pega na mentira, que a descobririam e veriam que era uma fraude.
Embora possa afetar qualquer gênero, é dito que a síndrome do impostor, ou impostora, tem uma prevalência maior nas mulheres. São pessoas que sofrem de ansiedade, medo do fracasso e insatisfação com a vida. Experimentam um desconforto, uma angústia e muitas vezes um medo de feedbacks, e quando são feedbacks positivos muitas vezes menosprezam ou não aceitam. Teresa sustentava-se nessa posição por muitos anos, por vezes não aceitou promoção por achar que não daria conta, quando sua chefe a chamou, simplesmente entrou em pânico, tinha certeza que estaria desempregada no dia seguinte.
Enfim Teresa vai até a sala de sua chefe, caminha a passos lentos e curtos como se pudesse adiar o inevitável. Bate à porta de forma tão leve que chega a ser quase inaudível.
- Pode entrar, grita a chefe lá de dentro.
Teresa entra e para em frente a sua mesa sem saber o que dizer
- Queria falar comigo? - a voz embargava.
-Sim, Teresa, obrigada por vir. Minha porta está sempre aberta, mas como queria falar em particular com você deixei fechada o dia inteiro, assim ninguém nos incomodará - sorriu e apontou a cadeira - senta, preciso falar sobre algo importante.
Teresa sentou, com ombro caídos, olhar baixo e afundou na cadeira, pronta para ser derrotada.
-Teresa, levanta essa cabeça, enche esse peito de orgulho. Toda vez que eu te chamo aqui é isso. Eu te chamei aqui hoje para falar sobre uma oportunidade, mas com esse astral parece que está sempre em dívida com algo. Aconteceu alguma coisa?
Teresa se ajeitou na cadeira, levantou o rosto e disse que estava tudo bem.
-Pois bem, você é a pessoa mais qualificada que eu tenho para o cargo de VP da nova filial, para isso você tem que passar por um processo de treinamento só para alguns ajustes finos. Você estaria disposta? É em São Paulo, durante 30 dias, lógico que mandaríamos passagens para você voltar nos fins de semana. - Marta empurra uma pasta em direção a Teresa - aqui está toda informação que você precisa para dar o aceite. Precisamos de alguns documentos, mas nada demais e que você responda alguns questionários. Tenho certeza que você vai ser o que a empresa precisa.
-Para ser VP? Sério? Esse é o topo da minha carreira - Teresa sorri e se anima.
- Na verdade o topo é ser Presidente, não vejo nenhum impedimento para você chegar lá em breve.
- Claro. Obrigada, Marta.
Teresa saiu muito feliz e passou o dia trabalhando até que surgiu um pensamento: "ser vp é demais para mim, acho que a empresa viajou, im-pos-sí-vel eu ser vp, só gente fod*na consegue, eles estão malucos". Voltou para casa atormentada por todos aqueles pensamentos. Passou a noite em claro. No dia seguinte foi até a sala de Marta.
-Oi, Marta, tudo bem? Posso entrar? - Teresa encontra a porta aberta, mas espera a resposta de Marta.
- Claro, veja se vp tem que pedir autorização? Entra e me conta, já fez as malas?
-É sobre isso que eu quero falar com você. Agradeço demais a confiança no meu trabalho - Teresa abaixou a cabeça - mas é que meu marido não quer que eu vá para São Paulo passar um mês, ele ficaria sobrecarregado com as crianças - Teresa sabia que Marta poderia ver a mentira em seus olhos - e eu não tenho alternativa a não ser recusar o cargo.
-Teresa, você não quer pensar mais um pouco? Seria apenas por 1 mês, e você estaria aqui todo fim de semana. Sua carreira também é importante para você. Você é overqualified para o que faz, daqui a pouco se sentirá frustrada.
- Sinto muito, Marta, não posso mesmo assumir esse cargo. Obrigada novamente - Teresa disse já se levantando.
- Tudo bem, Teresa, espero que esteja certa da sua decisão. - Marta recolhe a pasta com os questionários em branco e coloca na gaveta- Chama o Antônio para mim, por favor.
Teresa mais uma vez deixou que oportunidades fossem perdidas por achar que não tinha capacidade. Inventou uma mentira, e com isso sua carreira ficaria estagnada por anos. Antônio, que tinha muito menos qualificação assumiu o cargo. Teresa continua fazendo a mesma coisa todos os dias até ser mandada embora um dia.
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