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Você tem medo do que?

Foto do escritor: Patricia CarneiroPatricia Carneiro

Julia tinha medo de tudo, ou quase tudo. Durante sua infância não corria, não andava de patins, nunca tentou andar de bicicleta por medo de se machucar. Na adolescência não ia à muitas festas, não tinha muitos amigos, fazia tudo que o professor mandava, tudo por medo de se desapontar e desapontar os outros. No fina da adolescência, antes de prestar vestibular tentou uma faculdade aquém das suas habilidades, por medo de não passar para a faculdade dos sonhos. Na vida adulta ficou num emprego que pagava mal, não a desafiava, não procurava outra oportunidade por medo de ser rejeitada nas entrevistas e ficar desempregada. Casou com o Miltinho, colega de trabalho, com pouca ambição, a paixão também não era essas coisas, mas ele estava ali presente, iam juntos trabalhar, almoçavam juntos, voltavam juntos. Miltinho não era um cara interessante, nenhum atributo físico chamava atenção, não era brilhante, não tinha senso de humor, não gostava de esportes e não tinha boa vontade em casa. Julia fazia tudo dentro de casa, estava infeliz, mas a vida com Miltinho era aquela, já havia se conformado, Julia tinha medo de se separar e não achar coisa melhor, tinha medo de ficar sozinha.


Julia passou a vida inteira sentindo medo. Em março de 2020 o mundo fechou as portas, todos se trancaram dentro de suas casas. Julia ficou apavorada, como assim teria que trabalhar de home office? Não daria certo, e se a internet fosse ruim? Como ela iria cozinhar e comer? Se fosse ao mercado seria facilmente contaminada, e se pegasse o coronavirus morreria com certeza. Julia trancou sua casa, quando tinha que fazer compras pedia a Miltinho que fosse, ele tirava a roupa toda no corredor do prédio ao voltar, ficava só de cueca, ela colocava uma capa de chuva, uma mascara cirúrgica, luvas e álcool, borrifava naquela roupa que fazia uma piscina largada no chão, envolvia num plástico e colocava para bater na maquina de lavar. Depois ia lavar o saco de arroz, feijão, farinha com água e detergente, sem tirar a máscara. Miltinho não poderia se aproximar enquanto não tomasse banho, lavasse a cabeça, escovasse o dente. Viveram assim por longos meses até que Julia foi tomar café e reclamou com Miltinho que a marca de café era uma porcaria, aquele café não tinha gosto de nada, não tinha cheiro de nada. Miltinho cheirou o café e provou, disse à Julia que ela estava louca, que o café tinha gosto e cheiro sim. Julia havia se infectado.


Julia pensou e repensou nas possibilidades de como teria sido infectada, chorou, se desesperou. Fez uma carta de despedida para seus pais. Pediu desculpas a Miltinho por colocar a vida dele em risco (embora tivesse suspeitando que ele tivesse trazido o maldito vírus para ela). Foi para o quarto com o oximetro pendurado no dedo, pronta para se isolar e com certeza morrer. Miltinho ficou no outro quarto e de repente se viu responsável pela casa, Julia havia se trancado, ela precisava comer, ele precisava fazer algo. Júlia riscava os dias na sua agenda tal qual um prisioneiro faz na parede da prisão. Julia estava só esperando o oitavo dia chegar que era certo que ela iria piorar e precisaria internar. A saturação estava sempre lá, 95, 96... ela não teve febre, a comida que Miltinho fazia não tinha gosto de nada, ela nem sabia se ele havia aprendido a cozinhar. Ele estava á na cozinha, na sala, na área. Lavava a roupa dela, fazia a comida dela e batia na porta e deixava no chão na frente do quarto, retirava e lavava a louça dela, nunca entregou a tal carta aos pais dela. Eles conversavam pela porta. Ele tentava animá-la, de repente ele, que parecia não ter senso de humor, contava historias engraçadas da sua infância. Ele que era sempre um inútil dentro de casa aprendeu a cozinhar, a lavar e a cuidar de alguém. Com o isolamento começou a assistir vídeos de atividade física na internet e malhava todos os dias com os youtubers fitness.


Quando Julia saiu do seu isolamento encontrou um novo homem aqui fora, um homem que mudou. Julia nunca descobriu como foi infectada, talvez pelo cara do ifood? talvez a compra que fez no rappi? A verdade é que ela nunca saberá, e percebeu que passou sua vida inteira EVITANDO se expor, seja por um medo real, como o do coronavirus, seja por um medo que ela havia criado de que seria rejeitada, que não seria capaz, que ficaria sozinha. De tanto medo que teve ela perdeu chances na vida, oportunidades de trabalho, de amizade, de amores, de risadas, de arriscar.


Pegar coronavírus foi terrível, ela não morreu mas viu várias pessoas no mundo todo morrendo, entendeu que estava tendo uma segunda chance e que o medo não teria mais lugar na sua vida, que quando tivesse medo ela tentaria se lembrar que tanta proteção não a protegeu de fato.



"Don't worry about a thing,

'Cause every little thing is gonna be alright.

Singin': "Don't worry about a thing,

'Cause every little thing gonna be alright!"


Rise up this mornin',

Smiled with the risin' sun,

Three little birds

Pitch by my doorstep

Singin' sweet songs

Of melodies pure and true,

Saying', ("This is my message to you-ou-ou:")


Singin': "Don't worry 'bout a thing,

'Cause every little thing is gonna be alright."

Singin': "Don't worry (don't worry) 'bout a thing,

'Cause every little thing is gonna be alright!"


Rise up this mornin',

Smiled with the risin' sun,

Three little birds

Sit by my doorstep

Singin' sweet songs

Of melodies pure and true,

Sayin', "This is my message to you-ou-ou:"

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